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Com a autorização do Eng. Jorge Zaven Kurkdjian, a SISTRUT
está reproduzindo integralmente o artigo por ele escrito para a revista PINI e
publicado na edição de número 2724 de 24/4/00.
Projetista de estruturas critica a política de menor preço praticada na construção civil brasileira. Jorge Zaven Kurkdjian A construção civil tem se modificado muito nas últimas décadas. Quem acompanha o processo de perto sabe qual foi o impacto, por exemplo, da introdução de recursos de informática na elaboração dos projetos. Por outro lado, em alguns segmentos específicos, as transformações que estão chegando agora já são adotadas há 30, 40 anos nos Estados Unidos – caso dos painéis de fechamento, por exemplo. Trata-se de uma história que ainda está sendo escrita. O engenheiro de estruturas Jorge Zaven Kurkdjian vem acompanhando essa novela. Ele acredita que as transformações observadas nos últimos tempos têm um preço. Exigem, por exemplo, um novo tipo de atenção do calculista em relação à estrutura, algo que nem sempre é entendido pelo construtor, sempre à procura de preços mais baixos. O projetista diz que procura ser coerente com determinados princípios. Não entra em leilão e também não gosta de trabalhar “feito um louco”. Para o engenheiro, o problema da qualidade na construção brasileira está vinculado à política do menor preço e aos problemas sociais do País, dentre os quais se destaca o analfabetismo. “Não há como controlar a qualidade desse operário”, afirma. Na entrevista a seguir, Kurkdjian fala sobre esses e outros assuntos e critica a tendência de comparar, em função do preço, sistemas como o aço e o concreto estrutural. O meio técnico está optando cada vez mais por estruturas metálicas nos projetos de edificações. A velha comparação com o concreto é quase inevitável. Qual avaliação o senhor faz desses dois tipos de estrutura ? Cada material tem sua aplicação e atende a projetos específicos. Existem obras nas quais o aço é a única matéria-prima viável para a estrutura. Exemplo: se a obra for dentro da cidade e apresentar problemas de canteiro, esse material oferece a vantagem de permitir uma montagem industrial. Costumo dizer que o aço não é substituto do concreto nem vice-versa. Cada material tem o seu melhor uso, adequado a cada projeto de forma específica. É preciso pesquisar cada material. Não dá para dizer a priori que esse projeto será melhor se empregar o aço ou o concreto. O senhor acredita que essa discussão é colocada de uma forma equivocada ? Em geral, sim. Costuma ser colocada em termos de números, de custo. Não se comparam outros itens, tais como a agilidade da montagem da estrutura metálica em comparação com a de concreto. O tempo que se ganha construindo uma estrutura de forma mais rápida acaba se revertendo em benefícios, como a remuneração do empreendimento, por exemplo. Por outro lado, na metálica, é necessário promover um grande desembolso de uma só vez. No concreto, pode-se executar uma laje hoje e outra amanhã. Há um tempo de espera. Acontece que, muitas vezes, para o mercado imobiliário, não é bom desembolsar uma grande quantia numa tacada só. Depende muito do retorno do empreendimento. É por isso que todas as obras precisam de uma análise apurada sobre o assunto. Existem diferenças entre o perfil metálico fabricado aqui e o produzido nos Estados Unidos, por exemplo ? Hoje temos tudo. Não podemos reclamar de nada. O produto brasileiro é tão bom quanto o estrangeiro. Os nossos fabricantes são muito competentes. Se quisermos fazer o que os Estados Unidos fizeram em matéria de prédios com estrutura de aço, podemos fazer. Não há nenhuma restrição técnica. Como o senhor vê a presença do concreto de alto desempenho no mercado e a viabilidade econômica desse produto ? Não tenho muito experiência com esse material porque não faço prédios altos, nos quais o concreto de alto desempenho é mais empregado. Mas é um material promissor. Tem uma série de vantagens em relação ao que existia antes. Acredito, inclusive, que pode competir com o aço. É um concorrente muito forte, até nos Estados Unidos. Lá, as obras de concreto de alto desempenho, de certa forma, já conseguem concorrer com as metálicas. Há uma discussão no meio técnico sobre quem deveria ser responsável pelos custos do controle tecnológico do concreto dosado em central: os construtores ou as concreteiras. Qual é a sua opinião ? Sempre que se fala em diminuição de custos é preciso tomar muito cuidado. Acredito que o controle de qualidade deveria ser feito de forma natural, sem imaginar que se trata de um custo. Deveria ser encarado como um benefício, inclusive, para melhorar o desempenho do material. O construtor pode estar utilizando um concreto com uma resistência maior sem necessidade, por exemplo. Para mim, essa discussão em torno de quem paga é desfocada. O construtor quer uma boa obra, por isso tem de garantir o controle de qualidade. Essa é a lógica. Até por ser responsável pela obra, o construtor tem de executar esse controle. Vai deixar isso na mão de quem? Do fornecedor? É como deixar a raposa tomar conta do galinheiro. Essa política de otimização de custos também se reflete na remuneração dos projetos ? O contratante do projeto, em geral, visa o preço. Não se verifica muito o atendimento ou a qualidade do trabalho. Isso no segmento de edifícios baixos e casas, onde não há muita fiscalização. O construtor deve rir de nós. Porque ele faz um verdadeiro leilão e tem gente que aceita e acaba, algumas vezes, caindo na mão de profissionais sem experiência e sem o know-how necessário para elaborar um projeto. Se isso traz conseqüências graves ou não, depende muito da obra e do projeto. Às vezes, as falhas passam despercebidas e acabam gerando conseqüências não muito graves. Acontece, porém, de surgirem patologias. Nem sempre levam a um desabamento, mas pode acontecer. O assunto é bem antigo. Tenho escritório há 35 anos e ouço essa história desde o início. O senhor acredita que a situação pode piorar com a corrida pela otimização de custos ? Há algum tempo, os edifícios tinham muitas paredes de vedação, grossas e pesadas. Isso acabava ajudando na estruturação do edifício. A alvenaria funcionava como elemento resistente. Com o advento dos sistemas de gesso acartonado, alguns edifícios quase não empregam mais paredes de alvenaria. Sendo assim, a estrutura tem de dar conta do recado sozinha e é preciso tomar muito mais cuidado com as questões de contraventamento do edifício, comportamento da estrutura, cargas laterais de vento etc. No futuro, não haverá mais parede para resistir. Será tudo de gesso acartonado, um material leve, quase uma divisória. Tem uma série de vantagens e parece ser algo mais ou menos irreversível. Nos países desenvolvidos, a construção metálica é feita como se fosse um jogo de armar. Toda a vedação é pré-fabricada, visto que é incoerente executar uma estrutura metálica em 60 dias e levar três meses para fechar a obra. O Empire State, por exemplo, foi construído em um ano e quatro meses. Toda a vedação, já naquela época, era pré-fabricada. E no Brasil ? A indústria de produtos de fechamento ainda está muito atrasada por aqui. Não é compatível com a velocidade da obra. Está melhorando, claro, mas ainda não existe uma indústria como a americana. O conceito é diferente. Veja as obras de baixa renda, por exemplo. O brasileiro nunca vai morar em uma casa de madeira. Ele lembra a história dos Três Porquinhos e fica traumatizado. Isso porque também não há um tratamento da madeira que assegure a durabilidade. Esses fatores contam muito. Como o calculista deve lidar com essas dificuldades ? O projetista tem de se adaptar às mudanças. Há algum tempo, tínhamos que trabalhar com prazos mais prolongados. Em compensação, não tínhamos os instrumentos que possuímos hoje, tais como computadores e os programas, que não substituem o homem, mas fazem a parte mecânica. Cada época tem uma característica própria. Como o senhor vê a questão da durabilidade das estruturas, que vem ganhando maior importância no meio técnico e deve, inclusive, se refletir na nova normalização ? Deve haver essa preocupação com a durabilidade, mas como um complemento. Uma obra tem de apresentar outros itens para ser considerada boa. Precisa ser bem projetada, bem construída e ter um controle de qualidade. Antigamente o construtor tinha todos esses requisitos de uma forma intuitiva. Sabia construir bem e avaliar um projeto. O engenheiro estrutural compunha uma classe pequena. A maioria era egressa de uma construtora e tinha boa experiência de construção. Hoje, vamos muito pouco à obra, conhecemos pouco do canteiro. Antes seguia-se muito o bom senso. Até porque não existia tanta tecnologia disponível. Como essa época passou, precisamos de muitas regras. Nem sempre o profissional conhece bem os detalhes do processo. Isso interfere na qualidade do projeto ? Existem outros fatores interferindo nisso, como a concorrência. Todos os anos se formam muitos profissionais. E todos tentam sobreviver. No Brasil, infelizmente, há muita prática do faz-de-conta. Acabamos aceitando uma série de coisas que não estão corretas e depois não temos como voltar atrás. O próprio construtor acaba engolindo coisas malfeitas, sem controle de qualidade ou qualquer critério, para não atrasar a obra. O povo brasileiro é muito permissivo e sempre consegue dar um jeito, se adaptar. Veja a questão da mão-de-obra: o operário da obra é semi-analfabeto. Fica difícil controlar a qualidade do trabalho dele. É um problema social. Não dá para desvincular uma coisa da outra e não dá para falar que estamos fazendo qualidade. Mas muitas construtoras estão tomando iniciativas para mudar esse panorama. Tudo bem, mas e o custo disso? Quem paga? Não basta somente dizer que vai fazer qualidade a um custo baixo. Qualidade pressupõe contratar gente, oferecer treinamento, investir. E há a necessidade de um retorno. Se a idéia é diminuir custos e isso já começa pelo projeto e passa pela construção, por que alguém iria investir na qualidade do operário? Quem conhece a realidade das obras e sabe, por exemplo, como se alimentam os operários, sabe do que estou falando. O trabalhador da construção sai de casa às quatro horas da manhã e toma quatro conduções para chegar às sete no serviço. Mal alimentado, dormiu pouco. A que horas ele vai ser treinado? Existem algumas construtoras que adotaram programas nesse sentido, mas o rendimento ainda é baixo. O operário deveria ser bem alimentado e bem educado desde a infância. Temos que formar gente. O problema é como o País se coloca diante da educação do povo. O desnível é muito grande. Enquanto alguns ganham milhões, outros morrem de fome. E isso se reflete na deficiência de todos os serviços. Se fôssemos nos comparar com outros países, diria que o nosso operário é um herói. Entrevista concedida para MARIUZA RODRIGUES São Paulo, Maio de 2000 Jorge Zaven Kurkdjian |
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